A humanização que emerge das tragédias

12/03/2019 13:26

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Por Sucena Shkrada Resk*

Moradores e comerciantes dos bairros São José, Fundação e Prosperidade foram os mais afetados em São Caetano do Sul, com o temporal que atingiu o município, entre a noite do dia 10 e manhã de 11 de março. Vale frisar que o volume de água foi equivalente a 80% do que é previsto para o mês de março. A situação de insalubridade e de caos que atingiu a vida destas pessoas está sensibilizando um pelotão de voluntários em toda cidade e de outros municípios da Grande São Paulo também afetados. Esta é uma das facetas "positivas" que se encontra em meio desta tragédia no contexto do mau planejamento urbano. Algo a ser enaltecido.

Além da tristeza pela morte de três pessoas e perda material que atingiu centenas de famílias, o altruísmo que se expande representa a sensibilização com a dor do outro aflorada em nossa sociedade.. Arrisco a dizer que a fragilidade imposta nesta tragédia trouxe uma avalanche de humanização, que foi materializada em escutas, palavras, orações, donativos de todos os tipos, mão-de-obra. Mesmo aqueles que estavam e estão oficialmente trabalhando como funcionários da gestão pública, nestes dias que seguem, revelam esse componente em seus atos.

Solidariedade ecumênica

Ontem, eu e minha mãe levamos alguns donativos no Grupo Espírita Misail, que fica no bairro onde moramos. Lá nos informaram que devem ser destinados a famílias atingidas na região do bairro Prosperidade, e na região de Utinga. Enquanto estávamos no centro kardecista, vimos mais e mais pessoas chegarem solidárias colocando suas contribuições nas caixas. No momento das vibrações, as vítimas estavam sendo lembradas por todos nós presentes.

Hoje, quando fui levar uma pequena contribuição de mantimento em outro ponto de arrecadação - a Paróquia do Sagrado Coração de Jesus, na Vila São José, fiquei sensibilizada ao ver literalmente um pelotão de voluntários em todas as frentes: uns faziam o café da manhã para as vítimas da enchente; outros recebiam e separavam roupas e calçados (por tamanho, tipo de peça), alimentos e material de limpeza doados. Uma organização que dava dignidade ao ato de dar e receber. Algumas famílias se alimentavam com pão e margarina, café com leite; outros iam em busca de peças de roupas, pois haviam perdido tudo. E nesse cenário, chegavam mais pessoas com suas doações.

Segundo alguns voluntários, a demanda maior agora é por mais materiais de limpeza (álcool, sabão, incluindo vassouras, rodos e panos), como também de higiene pessoal. Muitos destes itens necessários para que os moradores possam limpar seus imóveis)

Momento de escuta

Entre as vítimas do temporal, conheci Carla, que me contou que havia perdido praticamente tudo que tinha em sua casa, que fica no limite do Ribeirão dos Meninos, entre São Paulo com São Caetano, Ela vive com seu marido e duas filhas, sendo que uma delas é um bebê ainda de nove meses. Perguntei onde haviam dormido na véspera e ela disse: "Estendemos nosso colchão que ficou molhado e pusemos dois cobertores em cima para abafar a umidade". Esse relato me caiu fundo.

Daí fui para umas das ruas atingidas e vi o rescaldo dos estragos. Muitos móveis e eletrodomésticos destruídos e alimentos estragados. Alguns moradores começavam a lavar suas casas e funcionários da Prefeitura a coletar este entulho misturado ainda à grande quantidade de barro.

Em frente a um pequeno mercado, dois rapazes lavavam o que restou de prateleiras. Quase ao lado, sacos de arroz ensopados pela chuva teriam de seguir com a coleta dos resíduos. Eles me mostraram as marcas da água nas paredes externas dos imóveis, que chegavam a mais de dois metros. Algo assustador.

Funcionários da coleta me disseram que primeiramente todo este volume destruído está seguindo para um bota-fora,, nas proximidades do fórum, para depois ser encaminhado a Aterro em Mauá.

Mais adiante conversei com outra vítima, a Jeniffer, que me contou que a família estava vendo o que ainda será possível aproveitar. "Nossa geladeira está secando. Quem sabe, a gente consiga ainda usar", disse esperançosa. Na hora do temporal, somente seu avô estava no imóvel e conseguiu se abrigar na parte de cima.

Ao retornar pela mesma rua, abordei mais um morador antigo do bairro e perguntei se ele já havia vivenciado algo semelhante por lá. E me respondeu - "Só me lembro de uma chuva destas em 1997", disse. Depois desta narrativa, fiquei pensando cada vez mais em eventos extremos, Antropoceno, resíduos jogados em locais inadequados, falta de drenagem regular dos corpos d`água, ocupação de várzeas, em excesso de permeabilização urbana, rios erroneamente retificados e em mau planejamento urbano. Bem, mas esta narrativa tem como foco principal - o altruísmo e a humanização. Então, que estes exemplos nunca se dissipem em um modelo desenvolvimento que está longe do equilíbrio. Que consigamos encontrar a filosofia do meio copo cheio nestas situações.

Sucena Shkrada Resk é jornalista, formada há 27 anos, pela PUC-SP, com especializações lato sensu em Meio Ambiente e Sociedade e em Política Internacional, pela FESPSP, e autora do Blog Cidadãos do Mundo – jornalista Sucena Shkrada Resk (https://www.cidadaosdomundo.webnode.com), desde 2007, voltado às áreas de cidadania, socioambientalismo e sustentabilidade.

Leia mais: https://cidadaosdomundo.webnode.com/news/tiete-permanece-adoecido-na-regiao-metropolitana-devido-mau-planejamento-urbano/

Crédito das fotos: Sucena Shkrada Resk - em Vila São José 12.03.19

*Crônicas urbanas: Blog Cidadãos do Mundo – jornalista Sucena Shkrada Resk 

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